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Entenda os riscos de se medicar sem orientação
Data de publicação: 23 de fevereiro de 2015
Na próxima vez em que você estiver num consultório médico, ou em outro estabelecimento de saúde, e um profissional lhe perguntar se está fazendo uso de algum medicamento, procure responder o mais detalhadamente que puder.
Também é essencial relatar o uso de chás, pomadas ou até mesmo aquele comprimido habitual para dor de cabeça. Esses passos são importantes para tentar prever e prevenir um evento ao qual geralmente não se dá muita atenção, até que ocorra: a interação medicamentosa.
O problema acontece quando os efeitos de um remédio são alterados pela presença de outro, bem como pela mistura com fitoterápicos (os chamados remédios naturais), alimentos, bebidas ou algum agente químico ambiental — como o calor emanado pelo chuveiro de casa.
O Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas (Sinitox/Fiocruz) registrou, só em 2011, cerca de 30 mil casos de intoxicação por uso de medicamentos. Embora não seja possível afirmar quais deles ocorreram por interação medicamentosa, em três circunstâncias específicas a possibilidade é muito extensa: pelo uso terapêutico errado, pela prescrição médica incorreta e por automedicação.
“Às vezes a pessoa está fazendo uso de determinado medicamento e não informa isso ao médico, durante a consulta. Em outras, o próprio médico desconhece o potencial de interação dos remédios. E há ainda os casos em que o paciente usa medicamentos que tem em casa, seguindo palpites de amigos ou parentes, sem ter noção se eles podem realmente ser misturados”, descreve a coordenadora do Sinitox, Rosany Bochner.
Embora nem toda interação medicamentosa seja ruim, é preciso estar atento aos riscos de reunir, sem intenção prévia, dois ou mais efeitos terapêuticos. As consequências variam de dores pelo corpo, sangramentos e até problemas cardíacos, podendo, no extremo, ser fatal.
No artigo Interações medicamentosas: uma contribuição para o uso racional de imunossupressores sintéticos e biológicos, disponível na base Scielo, os autores apontam duas questões que reforçam a necessidade de atenção ao assunto.
A primeira delas é que a incidência de reações adversas causadas por interações medicamentosas não é totalmente conhecida, especialmente devido à dificuldade de sistematizar, num amplo banco de dados, os números e os tipos de pacientes aos quais foram e são prescritas as combinações com potencial para problemas. E a segunda é que “não é possível distinguir claramente quem irá ou não experimentar uma interação medicamentosa adversa”. Alguns cuidados, contudo, reduzem sensivelmente as surpresas indesejáveis. O primeiro deles é optar pela informação.
Ler a bula
Seja pelo tamanho ou pela linguagem, ninguém nega: ler a bula é uma tarefa difícil. Mas é ela que contém todas as informações úteis a respeito do medicamento a ser administrado, inclusive se ele pode, ou não, ser consumido junto a outros remédios, com água ou outros líquidos, em jejum ou alimentado etc.
Um fato que preocupa é que, dependendo do canal através do qual se dá o acesso ao medicamento, o cidadão nem chega a ter a bula em mãos. Mas ela é um direito. Desde 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que devem existir três tipos de bula: a do profissional de saúde, a do usuário (de linguagem mais simples e no formato de perguntas e respostas) e a bula em formato especial (destinada aos portadores de deficiência visual, e que deve ser solicitada no estabelecimento, caso a caso).
Quando a dispensação se dá em farmácias comerciais, a bula que vem dentro da caixa do medicamento já é a do paciente. E, quando o medicamento é disponibilizado na rede pública de saúde, podendo vir fracionado, o cidadão pode solicitar a bula impressa. É obrigação do serviço de saúde fornecê-la.
No site da Anvisa existe o Bulário Eletrônico, onde uma busca simples — até pelo nome comercial do medicamento — já aponta as bulas disponíveis.
Uma impressora que funcione e um profissional consciente podem estimular a maior busca por informação. É o que defende o farmacêutico do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) José Liporage: “Em muitas unidades assistenciais os profissionais não entregam as bulas. Em alguns casos, porque acreditam que, assim, estão evitando que o cidadão comercialize o medicamento que recebeu no Sistema Único de Saúde. Em outros, porque fazem questão de controlar a informação sobre o remédio, de manter o seu poder como profissional.”
Além de informar, a bula é importante porque pode ser um mecanismo de proteção do cidadão. “Ela é extensa justamente porque precisa orientar sobre todas as possibilidades de ocorrência daquele medicamento, além das interações. Ela precisa dizer o que pode acontecer ao paciente. Se alguém ingere um remédio que causa determinado efeito que não foi previsto nem na bula, o paciente pode recorrer judicialmente, exigindo reparação”, diz Liporage.
Mas nem sempre vai estar escrito neste documento a expressão interação medicamentosa. Na maioria das vezes a informação será algo do tipo “este medicamento não pode ser usado em tais situações”, lembra o farmacêutico.
Automedicação
Profissionais de diferentes unidades da Fiocruz têm um relato em comum: um dos maiores geradores de interação medicamentosa é a prática da automedicação.
O Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para Farmacêuticos (ICTQ) realizou uma pesquisa que revela este cenário: 76,4% da população brasileira faz uso de medicamentos a partir da indicação de familiares, amigos, colegas e vizinhos. São pessoas que consomem qualquer tipo de remédio quando necessitam e dispõem, inclusive aumentando suas dosagens afim de obter um efeito mais acelerado.
O estudo foi realizado em 12 capitais brasileiras e a cidade do Rio de Janeiro ficou acima da média nacional, com 91% de sua população se automedicando.
“Sempre alertamos para a necessidade do uso racional de medicamentos. As pessoas não fazem ideia dos riscos que estão correndo ao tomar esses fármacos aleatoriamente, por conta própria. Em nossa cultura um medicamento se tornou tão usual quando uma blusa, uma calça ou qualquer coisa já naturalizada no cotidiano. As famílias estocam medicamentos, não têm muito cuidado com o prazo de validade, fazem combinações baseadas em efeitos ocorridos com terceiros, enfim, agem de forma muito arriscada. E sequer têm noção desse risco”, alerta Rosany.
Para discutir a prática da automedicação é preciso, contudo, discutir também o acesso aos medicamentos e aos serviços de saúde, lembra Liporage. “Mesmo com todo o avanço do SUS, ainda temos uma grande dificuldade de garantir o direito à saúde. Temos uma parcela muito significativa da população que se automedica especialmente porque a farmácia comercial é sua porta de entrada ao acesso. E esse processo não vem com o suporte de informação necessário para garantir a segurança do uso do medicamento.”
Na farmácia comercial, o profissional que pode assegurar todas as informações com relação à interação medicamentosa é o farmacêutico. No SUS, a luta é para que esse profissional seja parte de uma equipe multiprofissional, trabalhando desde a Atenção Básica, onde a orientação farmacêutica será parte fundamental do atendimento ao paciente. “Evitar a interação medicamentosa começa no atendimento, que deveria ser multiprofissional em todos os serviços. No primeiro contato do paciente com o medicamento, ele deveria receber uma atenção especial sobre como administrá-lo. Quando a pessoa é adulta e a consulta é para si, já há essa necessidade. Mas, quando é uma cuidadora, sua responsabilidade duplica. Quando se trata de um medicamento que deve ser manipulado, o processo se torna ainda mais complexo”, aponta Liporage.
Fonte: Portal Brasil
Fonte: Portal Brasil
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