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Ela é silenciosa, os sintomas só aparecem em casos mais graves e, muitas vezes, o diagnóstico ocorre por acaso. Mas a hepatite C afeta 150 milhões de pessoas, quase cinco vezes o número de portadores de HIV. E seu tratamento, até pouco tempo, era pouco eficaz e repleto de efeitos adversos. Agora, uma nova geração de drogas mais potentes e caras será incorporada ao SUS, anunciou ontem o Ministério da Saúde.
As drogas sofosbuvir, simeprevir e daclatasvir, fabricadas por três laboratórios, oferecem 90% de chances de cura e reduzem o tempo de tratamento. Os custos, entretanto, são altos. Em média, chega a R$ 300 mil o tratamento completo. Por isso, desde o ano passado os medicamentos vinham sendo aguardados com expectativa por médicos e pacientes. Ainda não há uma data exata, mas, segundo o ministério, estarão disponíveis a partir de dezembro.
Atualmente, são notificados dez mil casos da doença por ano no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, entre 350 mil e 700 mil pessoas morrem em todo mundo em decorrência da hepatite C.
Segundo o ministério, em 13 anos de assistência à doença no SUS, foram confirmados 120 mil casos e realizados cem mil tratamentos. O órgão reforça que nem todas as pessoas que contraem o vírus precisam das novas medicações, que serão distribuídas para até 30 mil pessoas — o dobro das 15.821 que são tratados anualmente no Brasil —, ao longo dos 12 meses subsequentes ao início do programa.
Estimativas indicam que entre 1,5 milhão e 2,5 milhões de brasileiros têm o vírus HCV, responsável pela hepatite C crônica. Destes, 20% evoluem para cirrose e câncer de fígado.
— É um grande passo do governo, só não se pode esquecer que é um número muito aquém do necessário — comentou o hepatologista Carlos Terra, professor de medicina da Uerj e presidente do Grupo de Fígado do Rio de Janeiro.
TRATAMENTO MAIS CURTO E EFICAZ
O atual tratamento leva de 48 a 52 semanas e oferece chances de cura que vão de 40% a 47%. Além disso, não pode ser aplicado caso o paciente tome uma série de outros medicamentos. O novo protocolo, que leva de 12 a 24 semanas, diminui essa interação medicamentosa e tem chances de cura superiores a 90%.
O grupo de pessoas que antes não podiam se tratar e que agora poderão recorrer à nova terapia inclui: portadores de HIV; quem tem cirrose descompensada; quem está em fase pré e pós- transplante; pacientes com má resposta ao medicamento Interferon; e os que não se curaram com tratamentos anteriores.
— São medicamentos muito mais avançados. O paradigma de tratamento muda completamente com eles — acrescentou Terra, reforçando que as drogas quase não têm efeitos colaterais, enquanto os antigos provocavam anemias graves, febre e mal- estar, entre muitos outros sintomas.
Terra lembra ainda que, além de mais prevalente, a hepatite C tem mortalidade mais alta que a Aids. Mas esta foi a que recebeu os maiores investimentos e campanhas nas últimas décadas. Durante o anúncio das novas drogas ontem, em Brasília, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, destacou o outro lado da moeda:
— O Brasil assume a vanguarda na oferta dessa terapia, como já fizemos com a Aids com os antirretrovirais.
Segundo o ministério, serão gastos R$ 500 milhões este ano para a compra dos remédios. Apesar dos gastos, o órgão diz que haverá economia: o valor gasto com dois pacientes no antigo tratamento é suficiente para cuidar de cinco agora. O anúncio do novo tratamento ocorreu na véspera do Dia Mundial de Combate a Hepatites Virais, celebrado hoje.
O alto custo de medicamentos vinha incentivando uma enxurrada de processos judiciais. A advogada Crispina Caju conta que, em seu escritório, chegava a mover mais de 300 pedidos por ano:
— E eu acho que vão continuar, porque o acesso ainda será limitado.
Esta foi a opção da empresária Tânia Tavares, que recentemente conseguiu na Justiça o acesso aos sofosbuvir e daclatasvir, tratamento que terá duração de três meses e custará em torno de R$ 350 mil ao seu plano de saúde, que ainda precisa pagar uma multa diária de R$ 2 mil devido ao atraso na compra. Há dez anos, ela teve o diagnóstico da infecção, provocada, provavelmente, por uma das cirurgias que fez na córnea. Logo começou o tratamento com interferon e ribavirina, mas, por causa de erro médico, tomou doses muito superiores ao que deveria.
— Perdi o movimento das pernas por um período e nunca me recuperei totalmente. Continuo com uma hipersensibilidade nelas. Não havia mais opções de tratamento para mim — relata Tânia, que hoje não pode trabalhar. — Mantive a qualidade de vida como pude, com dieta, sem beber... Mas, nos últimos dois anos, vinha piorando muito: os níveis do vírus estão altos, perdi peso, comecei a desenvolver uma cirrose. A verdade é que estava morrendo. A chegada destes remédios me traz uma ansiedade enorme.
Maria Augusta de Souza Dantas não contém o ânimo com o início do seu tratamento, também possível após uma decisão judicial favorável para a compra do harvoni, uma combinação de ledipasvir e sofosbuvir, que, segundo seu médico, já está a um passo à frente dos que foram liberados pelo SUS. Ela também não podia usar os tratamentos disponíveis e convivia desde 2005 com a hepatite C. Em abril, começou a terapia, que deverá durar seis meses e custar mais de R$ 400 mil ao plano de saúde.
— Estava com cirrose, mas, felizmente, a doença não se manifestava. Com um mês de uso, a carga viral ficou indetectável — conta Maria Augusta.
CAMPANHA DE PREVENÇÃO
Ambas relatam terem “entrado em pânico” com a descoberta da doença. Pouco se sabia, a não ser que um certo estigma a permeia. Mesmo assim, garantem que falam abertamente da doença, transmitida principalmente por sangue contaminado, geralmente em transfusões e contato com utensílios cortantes, mas também, em raros casos, por contato sexual e de mãe para filho.
O ministério também lançou ontem a campanha de prevenção a hepatites. O foco é o incentivo ao diagnóstico e ao tratamento. As hepatites Be C têm poucos sintomas e, por isso, podem passar despercebidas. O ministério pretende, até o fim do ano, lançar também um novo protocolo de tratamento contra a hepatite B.
A campanha da hepatite B tem como alvo jovens adultos, com incentivo à vacinação em três doses. Segundo a Organização Mundial da Saúde ( OMS), um terço da população mundial já foi exposta à hepatite B, mas apenas 1% não se cura espontaneamente. No Brasil, há 17 mil casos confirmados a cada ano.
Fonte: O Globo