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Cresce busca por droga que evita risco de Aids após relação insegura
Fonte: O Globo
Data de publicação: 5 de agosto de 2015
Fotos: Marcos Alves / Agência O Globo
As pernas tremem continuamente. Lucas (nome fictício) parece não encontrar posição confortável na cadeira. O olhos pulam de um ponto para o outro da sala e se enchem de lágrimas quando ele explica o seu drama:
— Eu fui um idiota. Estava bêbado, nem sei como fui parar naquele lugar. Acabei transando com duas prostitutas sem camisinha — conta o cineasta, de 28 anos, na sala de espera do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, referência no tratamento contra a Aids na América Latina.
A experiência lhe custou um namoro de três anos e uma noite insone pelo temor de ter contraído o vírus HIV. Para o segundo problema, no entanto, Lucas encontrou alívio em três comprimidos que têm sido chamados de “pílulas do dia seguinte da Aids”, ou “pílulas dos 28 dias seguintes”. A medicação previne a contaminação por HIV em 99% dos casos desde que seja tomada até 72 horas depois da situação de risco e ao longo das quatro semanas seguintes.
O nome médico para o tratamento é PEP, sigla para Profilaxia Pós-Exposição. Já existe no Brasil há anos, mas, por muito tempo, ficou restrito a profissionais da saúde que sofreram acidente de trabalho ou a vítimas de violência sexual. Desde 2012, timidamente, passou também a ser ministrada a pessoas que passaram por qualquer situação de risco. Há 10 dias, o Ministério da Saúde anunciou a decisão de facilitar ainda mais o acesso. De acordo com o novo protocolo, publicado no dia 23 de julho, médicos de qualquer especialidade podem prescrever o remédio, fornecido de graça pelo SUS. A mudança acontece depois de a Organização das Nações Unidas (ONU) publicar, este mês, um relatório mostrando que, de 2005 a 2013, o número de novas infecções no mundo diminuiu 27,6%, enquanto, no Brasil, aumentou 11%.
De 2010 a 2014, a quantidade de doses de PEP distribuídas pelo governo saltou de 12 mil para 22 mil. A perspectiva é que esse montante seja bem maior este ano. O ministério espera que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) derrube a regra segundo a qual apenas médicos podem receitar as pílulas, autorizando qualquer funcionário de saúde a prescrevê-las.
Até o fim do ano, as pílulas devem estar em cerca de 800 hospitais, pronto-socorros e centros especializados do país. Aumentará especialmente o número de estabelecimentos 24 horas que oferecem o tratamento — uma medida fundamental, já que, segundo pesquisas do Hospital Emílio Ribas, que até recentemente era responsável por 10% dos atendimentos com PEP no Brasil, mais da metade dos pacientes procura a pílula no fim de semana ou na segunda-feira.
— As histórias dos pacientes estão muito ligadas a bebida e balada — diz Francisco Oliveira, infectologista do Emílio Ribas.
De acordo com Oliveira, como a PEP é uma alternativa ainda pouco conhecida pela população em geral, o perfil do paciente que procura o serviço é de um nível educacional e econômico mais alto do que a média dos frequentadores do sistema público de saúde. Cerca de metade tem ensino superior completo e acesso fácil à internet. Sete em cada dez são homens e, nesse grupo, a maioria é homossexual. Cerca de 20% são mulheres que tiveram relações heterossexuais. E há, ainda, de acordo com os médicos, casais que frequentam casas de suingue.
— Não é raro as pessoas aparecerem aqui vindo direto da festa, às vezes alcoolizadas, admitindo que deixaram de usar o preservativo — afirma Ralcyon Teixeira, infectologista responsável pelo pronto-socorro do Emílio Ribas.
‘NÃO SEI POR QUE NÃO USEI’, DIZ PROFESSORA
Deixar de usar o preservativo em relações sexuais não é algo incomum entre os brasileiros. A Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira (PCAP), divulgada pelo governo em fevereiro, dá conta de que 45% dos entrevistados afirmam não ter recorrido à camisinha em relações recentes, mesmo sabendo que essa é a melhor forma de impedir o contágio por doenças sexualmente transmissíveis. Entre os jovens de até 30 anos, de acordo com os especialistas, esse comportamento de risco é ainda mais frequente.
— A camisinha estava ali, na minha bolsa, ao alcance da mão. Não posso nem dizer que eu esqueci, na hora eu até pensei, mas não sei porque não usei — diz Jaqueline, professora de espanhol de 24 anos, que relatava ter saído, na noite anterior, com um homem que conhecera por meio de um aplicativo de celular.
Solteira há cerca de um ano, ela conta que procura apenas sexo casual pela internet. Não costuma rever os parceiros que, segundo ela, somam aproximadamente 20 nesse período. A professora admite que, com ao menos quatro deles, fez sexo sem camisinha. Não tinha ficado preocupada até que, na última experiência, foi surpreendida:
— Ele me disse que não transava sem camisinha há muito tempo porque a ex-namorada era soropositiva. Recomendou que eu fosse fazer um teste. Fiquei sem reação. Até agora não sei o que pensar, não sei se ele é daquelas pessoas doentes que querem espalhar o vírus ou se só quis me pregar uma peça, mas não quero pagar pra ver — pondera Jaqueline.
Ela se diz consciente dos riscos que corre e disposta a enfrentar os efeitos colaterais do tratamento, que podem ser severos. Entre eles estão náuseas, vômito, dores de cabeça e de estômago, alergias e, em casos graves, hepatite.
Apesar disso, há casos de pessoas que, em dois anos, já recorreram ao serviço quatro vezes. No meio médico há uma grande discussão sobre se a adoção da PEP em larga escala poderá promover o abandono definitivo da camisinha. Estudos científicos não acusaram esse efeito, mas ninguém sabe dizer o que vai acontecer daqui por diante:
— Não sabemos dizer onde vai dar. As pessoas sabem que a camisinha é o melhor jeito de prevenir. Mas quem gosta de usar? Com a Aids, as pessoas, sobretudo os jovens, têm uma fantasia de que a equação está resolvida, de que não há mais problemas. Nosso discurso talvez tenha sido simplista. Quando se diz que a infecção é uma doença crônica e que a expectativa de vida, hoje, é longa, a ideia não é afirmar que se contaminar não é um problema — critica o infectologista Jamal Suleiman, que trata de pacientes com HIV desde 1985.
Hoje, mesmo uma pessoa infectada pelo vírus HIV pode levar uma vida relativamente normal tomando medicamentos antirretrovirais para sempre. Principalmente se o tratamento começar no estágio inicial da doença.
Jamal Suleiman, no entanto, rechaça a ideia de que deve ser retomado um discurso do pânico, comum no início da epidemia mundial. Segundo ele, o problema é que as escolas estão abandonando o assunto, e as comunidades gays deixaram de se reunir em pontos de encontro graças à facilidade proporcionada por aplicativos de namoro, o que dificulta ações educativas voltadas para esse grupo de risco.
O discurso do administrador de empresas Rodolfo, de 23 anos, exemplifica a mudança de perspectiva em relação à doença. Logo após tomar sua primeira dose da PEP, para evitar a infecção após uma noite de sexo inseguro com uma prostituta, ele afirmou:
— Para mim, Aids não é grave. É algo que pode morar contigo a vida inteira, mas que não vai te matar, como um câncer. Estou aqui só porque é melhor não ter, né?! O erro é humano, mas com essa pílula não precisa esquentar a cabeça.
Essa lógica, além de perigosa para a saúde, tem um custo alto para a sociedade. Cada tratamento de PEP custa cerca de R$ 1 mil, bem mais do que um preservativo masculino de látex. O Ministério da Saúde afirma que, ao expandir o acesso, a ideia não é passar a mensagem de que a camisinha pode ser descartada. Justamente pela preocupação de que as pessoas adotassem as pílulas como única forma de prevenção, a discussão no governo levou mais de um ano:
— Alguns colegas têm resistência para prescrever o medicamento. O argumento é de que o sujeito se arriscou e, por isso, deveria arcar com as consequências. Mas a PEP deve ser combinada com outros métodos — afirma o diretor do departamento de DST-AIDS e hepatites virais do ministério, Fábio Mesquita. — A intenção é facilitar o acesso ao tratamento porque, para a pessoa e para o país, é muito melhor que alguém tome um remédio por 28 dias do que para o resto da vida.