Vacinação infantil global estagnou na última década
Fonte: Medscape
Data de publicação: 10 de julho de 2025
A cobertura vacinal infantil global estagnou entre 2010 e 2023, é o que mostra a análise do consórcio de pesquisadores de vacinação do Estudo de Carga Global de Doenças (GBD) publicada no The Lancet. Entre 2010 e 2019, 100 dos 204 países monitorados no estudo registraram queda na cobertura da vacina de sarampo, e 21 dos 36 países de alta renda tiveram redução em pelo menos uma dose de DTP (difteria, tétano e pertussis), sarampo ou poliomielite.
“Esse tipo de análise sempre será limitada pela falta de dados nacionais de alta qualidade na maior parte dos países do mundo, o que implica extrapolações e suposições”, disse em comunicado à imprensa o Sir Andrew Pollard, diretor do Oxford Vaccine Group e professor no Pandemic Sciences Institute da Universidade de Oxford, no Reino Unido. “Mesmo assim, são dados importantes que delineiam um quadro preocupante de quedas recentes na cobertura vacinal e do aumento no número de crianças sem nenhuma dose, o que coloca em risco a saúde e a vida de milhões de crianças.”
Entre 1980 e 2023, a cobertura global de vacinas contra difteria, tétano, coqueluche, sarampo, pólio e tuberculose praticamente dobrou — um reflexo do sucesso do Programa Expandido de Imunização da Organização Mundial da Saúde (OMS), lançado em 1974 para garantir acesso universal a vacinas capazes de salvarem vidas. A partir desse período, o número de crianças que não havia recebido nenhuma dose da vacina DTP no primeiro ano de vida caiu de 58,8 milhões para 14,7 milhões em 2019, antes da pandemia de covid-19.
Porém, por conta da meta estabelecida em 2019 pela OMS para melhorar a cobertura vacinal no mundo até 2030, um consórcio de pesquisadores do Estudo de Carga Global de Doenças analisou a cobertura vacinal infantil de rotina em 204 países e territórios entre 1980 e 2023, com projeções até 2030. O objetivo era orientar estratégias para atingir essas coberturas nos próximos cinco anos.
O estudo mostrou que, a partir de 2010, o progresso na vacinação infantil parou e até retrocedeu em alguns locais. A queda na vacinação contra DTP, sarampo ou poliomielite é um exemplo. A poliomielite, no entanto, não está erradicada no mundo. Paquistão e Afeganistão, por exemplo, sofrem com surtos causados pelo poliovírus selvagem, assim como Papua-Nova Guiné, local em que menos da metade da população está vacinada contra a doença.
A pandemia de covid-19 agravou ainda mais o cenário global de vacinação infantil: de 2020 a 2023, cerca de 15,6 milhões de crianças deixaram de receber as três doses de DTP, 15,6 milhões não fizeram a primeira dose de sarampo, 15,9 milhões não tomaram as três doses de poliomielite e 9,2 milhões deixaram de ser imunizadas com a BCG.
Em 2023, aproximadamente 15,7 milhões de crianças no mundo não receberam nenhuma dose da vacina DTP no primeiro ano de vida. O Brasil, infelizmente, aparece em oitavo lugar nessa lista, com cerca de 452 mil crianças sem nenhuma dose, ficando atrás apenas dos seguintes países: Nigéria (2,48 milhões), Índia (1,44 milhão), República Democrática do Congo (882 mil), Etiópia (782 mil), Somália (710 mil), Sudão (627 mil) e Indonésia (538 mil).
Segundo o estudo, projeções otimistas para 2030 indicam que apenas a vacina DTP atingirá 90% de cobertura global, enquanto sarampo e outras vacinas devem manter uma variação regional expressiva. Dos 204 países e territórios analisados, estima-se que hoje apenas 85 tenham alcançado 90% de cobertura para três doses de DTP; 56, para três doses de pneumocócica, e 57 para duas doses de sarampo.
No cenário de referência, esses valores subiriam, até 2030, para 108 países para três doses de DTP, 83 para três doses de pneumocócica e 91 para duas doses de sarampo; apenas regiões de alta renda manteriam ≥ 90% de cobertura nas três vacinas. No melhor cenário, esse total alcançaria 186 dos 204 países para três doses de DTP, 171 para três doses de pneumocócica e 161 para duas doses de sarampo. Já no pior cenário, todos os países que hoje estão em 90% recuariam abaixo dessa meta até 2030.
“O estudo é uma avaliação de grande escala, reunindo múltiplas e volumosas fontes de dados, combinadas a modelos que conferem consistência e permitem projeções futuras. Essa metodologia oferece um panorama claro das trajetórias passadas das taxas de imunização, bem como um conjunto robusto de cenários possíveis para o futuro, todos baseados em dados sólidos. Os autores reconhecem as limitações do estudo, mas elas não comprometem a mensagem principal”, disse o Dr. Simon Clarke, professor associado de microbiologia celular e chefe da divisão de ciências biomédicas e engenharia biomédica da Universidade de Reading, no Reino Unido, que não participou do estudo, em comunicado à imprensa.
O que precisa ser feito para se alcançar a meta
Para alcançar as metas da Agenda de Imunização 2030 de reduzir pela metade o número de crianças sem nenhuma dose e atingir 90% de cobertura em todas as vacinas ao longo da vida, o estudo enfatiza a urgência de “melhorias transformacionais na equidade”. Essas melhorias abarcariam estratégias de imunização direcionadas, fortalecimento da atenção primária e combate à hesitação vacinal.
Segundo a Dra. Emily Haeuser, primeira autora do estudo, o desafio agora é como melhorar a oferta e a adesão às vacinas em áreas de baixa cobertura. “A diversidade dos desafios e das barreiras à imunização varia amplamente entre países e dentro das comunidades, em função de aumento do número de pessoas deslocadas e disparidades crescentes devido a conflitos armados, volatilidade política, incerteza econômica, crises climáticas, desinformação e hesitação vacinal. Isso ressalta a necessidade de novas soluções personalizadas.”
Segundo Hellen Bedford, professora de saúde infantil da University College London, que não participou do estudo, as razões para a queda na adesão vacinal são múltiplas e complexas, o que exige comprometimento e recursos para se enfrentar desafios como desigualdade social crescente, desinformação sobre segurança vacinal e a necessidade de reforçar a confiança pública nos programas de imunização.
“A vacinação continua sendo nossa ferramenta mais poderosa na proteção da saúde infantil, mas seu sucesso depende de investimento sustentado, equidade e confiança da população.”